quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DA ECONOMIA À CRIMINOLOGIA MECANICISTA

Segundo Nicholas Georgescu-Roegen (1906 - 1994), em The Entropy Law And The Economic Process (1971), uma das grandes falhas do pensamento econômico contemporâneo consiste em tratar a economia como algo autônomo, não reconhecendo, portanto, a dinâmica existente entre suas atividades e os fluxos materiais de que necessita, ou o meio ambiente como um todo. Para o economista romeno isso ocorre em razão de as medidas econômicas adotadas até então basearem-se no modelo da física mecânica - o qual permite reversibilidade às ações. Somente para ilustrar, o motorista que ao errar seu caminho pára e dá marcha à ré, para retomar a rota primariamente idealizada, bem representa essa possibilidade mecânica. Se algo dá errado, basta voltar atrás e recomeçar.

Posto isso, não é de gerar espanto o ir e vir de soluções econômicas ao sabor das ocasiões. Analisemos então, o caso da “crise” à que sucumbiu o mercado financeiro atual. Tal ocorrência concretizou-se como fruto mal gestado da demasia não reguladora neoliberal que, por sua vez, fora precedida pelo arrocho regulador pós-crise de 29. E, regressando a 2008, o discurso mascado pelas bocas-de-chumbo de estadistas mundo afora dá conta de intervenção e regulação estatais. Obviamente, dadas as diferenças conjunturais, essa nova reordenação reguladora conterá distinções em relação à sua adoção no passado. No entanto, não deixa de ser uma prova empírica da economia mecanicista denunciada por Georgescu-Roegen.

Mas, analisando com maior cautela, é possível notar que tal conduta (mecanicista) não se restringe à atividade econômica. Muito pelo contrário, se reproduz indiscriminada e ardilosamente em outros campos de atuação do Estado, donde podemos destacar o processo de repressão e punição dos crimes.

Conforme descrito por Michel Foucault (1926 – 1984) em Vigiar e Punir (1975), tendo o Estado observado – entre os séculos XVIII e XIX - o terror que causava à sociedade com as execuções públicas e, por conseguinte, a reprovação a que estava sujeito, substituiu, gradativamente, a pena capital – até então um dispositivo institucional legítimo - pela reclusão corporal. Iniciou-se, portanto, nesse período, um rearranjo, principalmente nas sociedades ocidentais, no intento de reestruturar o aparelho punitivo estatal, investindo na construção de casas de custódia e congêneres.

Passado o período entre o fim da modernidade e o início da era pós-moderna a criminalidade não deixou de figurar como um grande problema para a administração pública, vide a infame superlotação das penitenciárias, entre outras patologias sistêmicas. Evidência de incapacidade e descontrole. Assim sendo, coube ao aparelho repressivo estatal a tarefa de reativar o processo de eliminação física de “figuras indesejáveis”.

Neste caso, tal qual acontece com a ressurreição das manobras econômicas, também há peculiaridades. Podemos ressaltar duas delas. Comparado com o análogo econômico o reuso de determinada medida criminológica possui assaz diferença com relação ao tempo, tanto demandado quanto transcorrido. No panorama econômico, em geral, as mudanças são súbitas e evidentes, provocadas por crises como esta em curso, enquanto, na criminologia as mutações são lentas e tácitas. A outra característica destacada refere-se à legitimidade jurídica: se antes a execução fora um instrumento institucional e ocorria em momento pós-condenatório, hoje, trata-se de um mecanismo marginal – pois, não se ampara na lei – e o pior, é pré-condenatório. Como resultado disso, ressalta-se a situação de BARBÁRIE ESTATAL que, como metástase, se alastra pelo globo.

Mas, uma vez apresentado esse fragmento da realidade contemporânea, o que mais haveria que pudesse ser relacionado com os conceitos de Georgescu-Roegen? Como substituto do modelo físico newtoniano para a economia ele propõe o uso da segunda lei da termodinâmica, a lei de entropia. A entropia representa dissipação. O processo econômico deveria, então, considerar as quantidades de fontes de energia e matéria existentes no planeta e geri-los com maior racionalidade – no sentido de reduzir sua velocidade (ou marcha) entrópica – para proporcionar o prolongamento da existência da espécie humana na terra. No caso da criminologia, a matéria dissipada, esvaída, é nada menos que a vida humana. É o que nos interessa.

Não se trata de propor aqui o uso de um racionalismo senil como tanto já se fez e faz. Trata-se de recorrer ao uso da sensibilidade para enxergar aquilo que compõe a paisagem, todavia, não é visto. Trazer para o campo de visão a realidade de que quem pratica o crime recebe um fardo pesado o qual contém “pedras” que, para além dos seus atos, transcendem a sua existência. Trata-se de dar alguma importância ao que jamais teve importância: o indivíduo criminoso e como ele é produzido. Mas, sem a miopia – às vezes perversa - dos “projetos sociais”. Sem hipocrisia.

Hoje, a morte violenta é algo cotidiano, banal. E temos orgulho da humanidade porque produz tecnologia avançada, e isso nos traz uma sensação precária de conforto. Pobrezinhos... No futuro, há de haver quem tenha vergonha de nós, por nós!