segunda-feira, 11 de maio de 2009

Indo ao Correio em Paris(*) - Affonso Romano de Sant'Anna

Tendo que colocar três livros no correio em Paris, senti-me como uma  pessoa do interior, como aquelas meio analfabetas que não sabem que a carta tem que ter endereço, selo, etc., e  gente, então, por puro espírito de solidariedade, acaba  socorrendo-a. É  que a tecnologia nos transforma todos em analfabetos semi funcionais. Já contei em mil conferências e já botei em crõnica  o que chamo de  "síndrome da torneira". Hoje em dia, abrir uma torneira em hotel e aeroporto virou uma operação que só pode ser feita por engenheiros da Nasa. Também tomar um simples elevador num hotel moderno exige que acionemos códigos e cartões. Igualmente, ir ao correio num outro país que adotou certas tecnologias passa  a ser uma operação constrangedora. Sobretudo, quando se está naquela temperatura de menos dois graus lá fora e a gente para fazer qualquer gesto burocrático, tem que tirar  capote, suéter, luva, cachecol e todas as peles que o inverno nos impõe usar.
 
Pois bem. Estava eu ali para postar alguns livros, e não  fosse uma brasileira simpaticíssima (bonita por natureza), mandada por Deus (que também é brasileiro), não fosse essa brasileira eu estaria perdido. Pois,  de repente, ela virou-se para mim e disse: "Você não é o Affonso Romano?!..." . Era. Sou. Isto acontece. Ás vezes, ser quem os outros acham que eu sou, tem me salvado. Alguns leitores eventualmente me escrevem dizendo  sobre uma crônica ou outra: "Você salvou minha vida!". Pois os leitores volta e meia têm me salvo de situações embaraçosas ou me  feito viver melhor com um ou outro mimo.
 
Pois a minha leitora parisiense, percebeu meu ar desamparado de bóia-fria, de sem teto, de quem não sabe o que fazer com a correspondência na mão e, com seu marido, socorreu-me.
 

Já havia entrado numa fila equivocadamente e de lá me tirou uma funcionária quando percebeu que eu queria simplesmente postar três livros. Tirou-me da fila, mas com aquela pressa e superioridade francesa murmurou umas coisas que não dava para entender, porque não era questão de língua, é que era uma informação nova que eu não podia absorver assim sem mais nem menos. Na verdade, eu teria que fazer umas  operações simples, simples para quem  sabe, impossíveis para quem não sabe. Quando a funcionária me disse solipsisticamente o que fazer, eu brasileiramente lhe ponderei: -"Mas vou ter que antes fazer doutoramento na Sorbone, sou apenas um turista e acabei de chegar, veja,  "sou apenas um rapaz latino-americano", como cantava o Belchior.

 

A funcionária me olhou com evidente superioridade. Eu era aquilo que Montesquieu, num livro do antigo  ginásio chamava de : " um persa em Paris", um estranho no ninho. Acho que foi aí que Helena Faissol ouviu o meu clamor de subdesenvolvido e estendeu-me o sorriso, a mão e aquela frase salvadora.

 

Na verdade (dei-me conta), teria que executar a seguinte operação: ir a um balcão, no qual não havia atendente, apenas uma fila de pessoas e mesa computadorizada com uma balança em cima. Teria que ter intimidade suficiente com aquele móvel para  botar os livros um por um na balança, apertar uns botões que eu teria que descobrir onde estavam, fazendo, é claro,  distinção sobre correspondência para a França e para o exterior; a seguir, como se soubesse tudo o que aquela máquina é capaz de fazer em substituição a um ser humano, retirar os selos de um de seus buraquinhos, colá-los no envelope e pagar. Mas pagar como? Simples, para quem sabe: eu teria que ter o número exato de moedas necessárias, (coisa de advinho e profeta) ou então meter ali o cartão de crédito e começar a ter com a máquina um diálogo pós-industrial.

 

Como se vê, escrever crônicas tem alguma utilidade. Elas não mudam o mundo, mas podem nos ajudar até a postar correspondência no exterior.

 

(*)-Estado de Minas/Correio Braziliense-12.01.09



Este vômito burguês é mais uma postagem da série a série: Susanna faz free lance no "Banalidades".