terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Feridos: da subjetividade à insensibilidade

Não se trata de abordar, exclusivamente, a (ainda inacabada) guerra entre Israel e Palestina, contudo, o evento é capaz de espraiar mais lucidez sobre a mesa das reflexões.


Um conflito armado, independente das proporções que atinja é, em geral, alvo de comovida lamentação. Os prejuízos materiais e, principalmente, o número de mortos e/ou feridos justificam tal sentimento, sem dificuldade. Mas, vamos nos concentrar nos dois últimos e identificar uma distinção relevante entre eles. Para isso, utilizaremos os adjetivos "objetivo" e "subjetivo" como suportes, donde a subjetividade servirá para designar "imprecisão" ou "desorientação". E, esclarecidos os objetivos ontológicos, podemos seguir adiante.


Observada tal circunstância - qual seja a de uma guerra franca - o óbito figura como o pior dos prejuízos. É inquestionável, [acredita-se]. Certamente, não há mensura para a dor de perder um marido, um filho, uma esposa amada. O que dizer quando se vão mais de um desses entes tão queridos, pessoas que se tornam essenciais ao nosso bem-viver? Afinal, nas mais das vezes, os adultos são responsáveis pela edificação e manutenção do lar, seja moral, materialmente ou de qualquer outra forma. E os filhos? Sejam infantes ou já maduros, jamais deixam de ser objeto de admiração e alegria para os pais.


Entretanto, a morte possui a objetividade de surpreender de forma aguda, não deixando opções para quem fica. É o espaço de domínio do inexorável: aquele que se foi não mais regressará. E ponto.


Diferentemente, a ordinária deficiência de informações (detalhes) à respeito dos feridos oferece condições para a produção da matéria subjetiva. Não é difícil entender, vide a dificuldade de se saber se os indivíduos foram leve ou duramente comprometidos pelos ferimentos. O resultado disso será a tendência de minimização dos danos ou insensibilidade – o que soa como algo bastante compreensível – uma vez que imaginar todos os casos como sendo de extrema gravidade seria histeria ou desonestidade.


Mas, é de fato a morte o maior dos males, nesses casos?


No romance “Jhonny vai à guerra” Dalton Trumbo narra a história de um jovem soldado que é ferido em combate. Num leito de hospital o militar amarga a angústia de estar preso a um corpo desvalido. Daí ascende uma outra questão. O que representa um inválido na vida das pessoas que o cercam? Não tendo ele sucumbido ao abandono do devir terreno, como será consistir num fardo pesado para a família e, por quanto tempo? Não se pretende aqui insinuar que um drama dessa ordem ocorra a todas as vítimas [registradas] – há aquelas que sequer integram as estatísticas oficiais, não podemos nos esquecer – ou que feridas elas não dão alegrias às suas famílias, todavia, é, sem dúvida alguma, conveniente fazer uma leitura menos estéril desse tipo de evento.


Conforme já dito, o sentimento humanitário nos faz lamentar ocorrências desse gênero por dias, meses, anos até, enquanto durarem os conflitos. E quando se vira aquela página da história, quando cessam os gritos das armas, aliviamos os corações e seguimos nossas vidas em paz. Ao contrário de nós, passado o confronto, há quem tenha, diariamente, um desequilibrado, um acamado, um mutilado como uma fotografia que respira e se alimenta trazendo a recordação de que as dores deixadas pela guerra não tem tamanho ou comparação. Trata-se do domínio do indizível...



6 comenta aí, amizade!:

Fabrício Sales disse...

Eis o tão esperado texto.
Muito FODA Fabiano, ou como vc mesmo diria, DO CARALHO.

Estava ansioso, para lê-lo!
Grande abraço!!!

Marcus Devolder disse...

é véio... tudo vira número, estatística... e ainda assim um número errado, impreciso.... tentar colocar-se um segundo só nessa situação dói, incomoda...

ótimo texto! Abs véio!

Susanna Lima disse...

Marido, o texto está maravilhoso!

Todo ele muito bem encadeado, e firmado numa reflexão que, assentada sobre uma sensibilidade ímpar, revela muito de ti - indicando-nos os teus níveis de observação e crítica da sociedade.

Sabemos, nós - os que te conhecemos pessoalmente -, que você não está no mundo a passeio. E este texto só faz corroborar essa opinião, que não é só minha.

Sinto-me privilegiada; afinal, antes mesmo desse texto existir aqui, estávamos nós, à mesa da sua sala, conversando sobre esse tema, acompanhados de café e suquinho de luz, respectivamente.

Em tempo: "[...] o evento é capaz de espraiar mais lucidez sobre a mesa das reflexões." foi magistral!

Beijo grande!

Fabiano Barreto disse...

Queridos,

Dado o refinamento crítico de todos vocês, começo agora a crer que consegui fazer algo original.

Minhas apologias e gratidão infinda à todos.

Fabrício Sales disse...

Fabiano sendo extremamente sincero, irei aconselhar o pessoal do O globo a te convidar para publicar esse artigo na coluna "Opinião". O que acha?

Realmente ele esta muito, mas muito bom mesmo meu amigo!

Anônimo disse...

Sim meu querido amigo,
esta realidade nefasta da guerra em nome de um "deus" (tenha o nome que tiver) mostra a face obsoleta e irrelevante das religiões, em grande medida. Que ao invés de levar á humanização integral, gera desumanização plena diante de realidades absolutamente patéticas.
A tradição judaico-cristã chama essa dimensão do mal,de mistério da iniqüidade, em face de tamanha manifestação do lado mais obscuro do humano. O que vc muito bem denominou de indizível. Bom texto.

Um grande abç do teu irmão,

Rodrigo.